sábado, 9 de julho de 2011

Manaus em Discussão

Mesa Redonda – Cidades na Amazônia


No dia 15 de Junho de 2011 realizou-se uma mesa redonda, intitulado “Cidades na Amazônia” com três importantes autores que desenvolvem estudos relacionados à cidade de Manaus e ao processo urbano na Amazônia, Edinéia Dias, Otoni Mesquita e Tatiana Schor, o encontro ocorreu na Universidade Federal do Amazonas, a partir das 09h contou com a presença de discentes de graduação, mais especificamente os alunos das disciplinas Sociologia Urbana e Antropologia Urbana, dos alunos de pós-graduação, as anfitriãs da mesa foram Professora Doutora Izabel Valle e a Professora Doutora Márcia Calderipe.

Figura 1 Maria Izabel e Márcia Calderipe. Foto: Jatobá, 2011



A Ilusão do Fausto

                Figura 2 Abertura da Mesa Redonda Cidades Na Amazônia. Foto: Jatobá, 2011



Edinéia Dias abriu a discussão expondo seus argumentos a partir de sua obra “A Ilusão do Fausto: Manaus, 1890-1920”, essa obra de grande importância para a história da cidade de Manaus, apresenta a cidade sob vários aspectos um deles se encontra a partir do discurso oficial, ou seja, a partir dos registros oficiais da época que apontava para uma cidade próspera, sem problemas sociais, ou marcada por desigualdade, o discurso enfeitado pelo sabor do ouro verde que a borracha proporcionava na época, apenas enaltecia o processo de urbanização da cidade, durante o período próspero da borracha.
“A virgem de luxo”, no entanto, era apenas uma faceta da cidade, uma face maquiada e bem construída, reforçada pelos discursos oficiais da época, Edinéia relata a dificuldade de perceber o contraditório a partir dos registros oficiais, a partir dos dados empoeirados e de difícil acesso, demonstrando assim o quão difícil foi pesquisar a respeito, no momento seguinte a professora Edinéia passa a discorrer um pouco a respeito da cidade por traz desse discurso, onde existem diferenças sociais marcantes, onde o processo de segregação é extremamente demarcado. Ela percebe comparando os dados a respeito das epidemias durante o período, quem eram as pessoas que possuíam recursos para se tratar, quem eram as pessoas que morriam, todos esses questionamentos são levantados. A autora procura ser sucinta respondendo que a cidade luxuosa é somente para aqueles de boas condições políticas e financeiras, a população que não se adapta é jogada para o entorno da cidade, onde não há eletricidade, não há ruas urbanizadas, onde não se tem acesso a educação ou saúde.

Figura 3 Mesa Redonda Edineia Dias. Foto: Jatobá, 2011

Compreendendo que a partir do discurso da autora, pode-se perceber uma cidade muilti-faceada, onde círculos sociais são formados diante das condições econômicas e políticas que estão apresentadas, alguns círculos com direito a “cidade da belle époque”, com seus palacetes e seus boulevards, outros tendo que viver em constante luta com a natureza, afastado do centro luxuoso. Assim Edinéia nos ajuda a entender de que forma eram traçadas as relações dentro do meio urbano durante esse período, a cidade que procurava afirma-se para os de fora era a mesma que expulsava os pobres e desfavorecidos de dentro. Que conseqüentemente produz duas cidades dentro de uma mesma cidade, isso não parece tão contraditório se analisarmos que a cidade é marcada por circuitos, por grupos sociais que atuam de forma diversificada a partir de seus interesses e a partir de condições sociais impostas a estes.
Os estivadores ganham um papel de análise importante, pois esses trabalhadores ganhavam a vida de modo extremamente difícil, ganhando pouco dinheiro em relação ao custo de vida na cidade, conseqüentemente pelo custo de moradia ser extremamente caro, tinha que procurar outros espaços para estabelecer moradias, esses locais tinham condições precárias para se viver, levando a doenças e epidemias, pela falta de acesso a hospitais, que se encontravam distantes, os moradores dessas regiões menos favorecidas morriam em conseqüência das doenças.



Figura 4 A cidade do discurso e a cidade que existe. Foto: Jatobá, 2011

La Belle Vitrine: Manaus entre dois tempos (1890-1900)


Figura 5 Otoni Mesquita. Foto: Jatobá, 2011

O professor Otoni Mesquita a partir do discurso da professora Edinéia, desenvolveu um pouco mais sobre as questões urbanas que envolviam o processo de urbanização na cidade de Manaus durante o final do século XIX, o autor procurou desenvolver sua fala a partir do caminho percorrido pela pesquisa, nota-se que tanto Otoni quanto Edinéia, tiveram as mesmas dificuldades em conseguir informações, tanto que Otoni descobriu certos registros somente no Rio de Janeiro, devido à dificuldade em se ter acessos a registros locais.
Otoni procura compreender os aspectos arquitetônicos que são constituídos na cidade de Manaus no final do século XIX a partir dos aspectos culturais que envolviam as cidades durante o período estipulado pela sua pesquisa, o planejamento arquitetônico da cidade nesse período passou pela assimilação dos modelos europeus, a arquitetura procura reproduzir os mesmos designes encontrados em países como Itália, França e Inglaterra, as ruas e os espaços públicos, os prédios e as residências, durante esse período do ciclo da borracha a cidade necessitava embelezar-se segundo o modelo estrangeiro, tudo que afetasse a estética desse modelo histórico pré-estabelecido era modificado ou excluído, igarapés era aterrados, morros nivelados e os moradores que não adequavam suas casas, eram excluídos para os bairros de Cachoeira, São Raimundo, Mocó ou Constantinopla.
Otoni também percebeu as contradições entre os registros oficiais dados e as configurações reais da cidade durante esse período, constatando uma cidade onde existiam excluídos, sendo levados a bairros sem planejamento algum ou acesso aos recursos da cidade. Ao mesmo tempo em que nota-se obras de extremo luxo sendo realizadas no centro da cidade, onde se concentrava a elite dominante da cidade, a cidade cresce de costas para o rio, no entanto, as forças políticas e econômicas se encontram no centro, próximas de praças e prédios, a vista de todos.
O policiamento é considerado um dos melhores do país, tanto que os registros contam com uma força policial extensa para o numero oficial de moradores, talvez isso se dê para o controle dos moradores não oficiais, já que os números estatísticos das epidemias do período, do atendimento de saúde apontam uma distorção nesses registros.
Em seu discurso desenvolvido a partir de sua análise questionou a relação do Estado com construção simbólica dos espaços da cidade, a cidade se constrói, se significa a partir dessa relação que influencia o próprio projeto urbanista de uma determinada localidade, cada recorte representa uma momento histórico da cidade, onde existiam forças políticas e sociais atuando constantemente, quer para o planejamento, quer para o não-planejamento da cidade, o Estado interfere drasticamente nessa relação, muitas vezes cerceando acesso e limitando recursos, no entanto existem forças de ordem sociais e culturais que também auxiliando na construção do quadro urbano, um dos exemplos citado são das barracas ao redor do biblioteca pública da cidade, se por um lado a biblioteca pública representa um patrimônio municipal e estadual, tendo que se ter um certo respeito, também as pessoas que traçam suas relações no entorno da biblioteca o fazem dando um outro sentindo aquele espaço, não como um espaço patrimonial, mas de relação econômica, onde o prédio da biblioteca se torna apenas um objeto de cena.
Otoni trata de significado cultural dos espaços, a cidade ganha forma na medida em que as pessoas que nela habitam dão essa forma, quer seja na reforma do quarto do seu “José”, quer seja na construção de praças como a Praça Senador Jefferson Peres, a apropriação dos espaços se dá a partir dessas representações construídas pelos sujeitos, conseqüentemente se materializando no projeto arquitetônico, dos bairros, dos prédios, das ruas, a cidade conta sua história aos poucos, e a história se modifica a partir das pessoas que contam essas histórias, a interpretação do quadro social passa por sentimentos, racionalidades e relações traçadas dentro do contexto urbano. A vida de um determinado espaço ou localidade se dá na medida em que os sujeitos proporcionam a vida, nesse sentido Otoni realizou uma análise mais profunda que interliga os sujeitos a efetividade de seu pensamento na forma realizada da matéria, ou seja, nas construções de casas, prédios, ruas; e também procura compreender as condições subjetivas que ajudam a construir esse mosaico ideológico que compõe os sujeitos.




Figura 6. Otoni Mesquita La Belle Vitrine.  Foto: Jatobá, 2011

Redes Urbanas




Figura 7 Tatiana Schor. Foto: Jatobá, 2011

Tatiana Schor trouxe para discussão outras perspectivas de cidade na Amazônia, a partir do seu trabalho desenvolvido nas calhas do Rio Amazonas, nos propõe um olhar diferenciado as respeito das redes urbanas que compõe as cidades do interior do Estado. A sua perspectiva traz a nossa reflexão a respeito de como se estabelecem as relações entre as cidades e comunidades do interior, a pesquisa durou mais de 10 anos e junta informações a respeito da economia, dados estatísticos e registros a respeito dos aspectos sócio-geográficos nessas cidades.
Sua análise transpõe as relações econômicas traçadas entre as próprias cidades, as redes que se mantêm independentes, cidades que possuem uma organização que conseguem manter-se somente com a rede urbana estabelecida entre a cidade e suas comunidades, não dependendo de rede nenhuma para manter suas relações, como o caso de Coari, isso proporcionando a cidade certa ascensão no quadro político estadual e econômico, também trabalhou redes interdependentes, que se formam a partir das necessidades que as políticas públicas deixam de lado, como de troca de mercadorias, associações políticas e transações econômicas, onde cada cidade é parte fundamental e funcional para que a rede mantenha-se funcionando e influenciando inclusive em outras redes urbanas que se formam ao longo do rio.
Propõe que se pense na articulação social desenvolvida dentro das cidades, na medida em que as relações são estabelecidas, de que forma o trânsito de pessoas ocorre, as questões territoriais são estabelecidas, e mesmo as relações culturais que tornam possível que a rede mantenha-se funcionando independentemente de fatores externos a ela, ao mesmo tempo em que se percebe de que formas as pessoas que vivem próximas a floresta constroem uma lógica de relação ao mesmo tempo urbana e ambiental. Assim dessa forma Tatiana Schor expõe as preocupações da próxima etapa do trabalho nessas redes. Sua preocupação passa a ser mais cultural e com os hábitos, de que forma são articulados novos saberes, novos modos de comportamento nos moradores dessas redes.



Figura 8 Tatiana Schor Redes Urbanas. Foto: Jatobá, 2011



Figura 9 Mesa Redonda Cidades da Amazônia. Foto: Jatobá, 2011

Os três olhares que os professores nos trouxeram nos proporciona uma ampliação do olhar urbano, seja historicamente, arquitetonicamente ou geograficamente, cada um buscou em seu trabalho compreender o complexo conjunto que compõe as redes urbanas e a própria urbanidade dentro da Amazônia, as características peculiares que foram fundamentais para o desenvolvimento das cidades ao longo do rio.
A relação dos indivíduos que se encontram nesse contexto com o ambiente que o cerca, com a natureza, o asfalto e a floresta, os prédios e massa verde que compõe a floresta amazônica, os problemas sociais que isso acarreta e ao mesmo tempo a beleza de uma postura que junta vida urbana e ambiente, procurando conciliar, não de forma passiva, muitas vezes de forma conflituosa, mas que compõe também uma parcela dos seres humanos que vivem nesse contexto.
Esta mesa redonda nos proporcionou um espaço para compreender as características especificas que a cidade de Manaus traz em sua formação, desde questões mais objetivas como subjetivas, que transpassam o concreto que constrói os prédios e avenidas, mas que dar sentido a vida das pessoas que nela habitam que compõe as relações das pessoas.
A cidade é o foco de observação para se entender o homem em constante movimento.


Abrimos espaço a todos que queiram contribuir frente a esta questão. Envio de fotos, comentários, artigos, resenhas, poemas, músicas e etc, tudo que trate a preocupação e ligação com as questões urbanas, podem ser divulgadas neste blog. Para envio de materiais contate nosso e-mail: neu.ufam@gmail.com

Por, Israel Pinheiro
Foto: Lucas Jatobá, 2011.






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